top of page

O estudante-atleta e a necessidade de pensar a dupla carreira

Quando identificamos o estudante-atleta percebemos um jovem que desempenha dois papéis sociais, ambos associados a determinados condicionantes e comportamentos esperados. O jovem, estudante e atleta, precisa aprender como estudar e como treinar, atividades que, rotineiramente, serão avaliadas através de provas e competições.

O tema da dupla carreira é parte de um debate importante sobre trabalho infantil, escolarização, formação e renda. Infelizmente, muitos interesses e agentes que compõem o debate tendem a deixar a discussão muito morosa. O público geral acaba por perceber sua necessidade quando acontecem tragédias, facilmente, evitáveis com regulamentação e fiscalização, ou quando após a catarse de uma conquista esportiva identificamos a falta de investimento, incentivo, condições de treinamento etc. Situação observada no vídeo do atleta Darlan Romani que treinou arremesso de peso em terreno baldio, conquistando o quarto lugar no Jogos Olímpicos Tóquio 2020 e, recentemente, o vice campeonato na etapa da Diamond League em Eugene, nos Estados Unidos.



Foto: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br/Fotos Públicas

Foto: Rodolfo Vilela/rededoesporte.gov.br/Fotos Públicas

Trata-se de uma realidade na qual os jovens, meninos e meninas, estão expostos e envolvem situações de vulnerabilidade, significando insegurança física e emocional. Alguns casos noticiados, periodicamente, indicam cárcere privado com a precarização de moradias e dormitórios, assédio, abuso sexual, exploração e apropriação do tempo de juventude. Estes são apenas parte do processo que diz respeito ao que não deve acontecer, a exemplo dos jovens atletas mantidos em um sítio na Baixada Fluminense privados da liberdade.[1]

Já passou da hora de discutirmos com propriedade sobre o esporte de alto rendimento e sua formação para o resultado, principalmente, quando este é concomitante ao período de escolarização e um projeto de futuro profissional. O jovem estudante-atleta está na intersecção dessas duas formações, logo, a discussão deveria estar centrada na intersecção e não em apenas em um dos conjuntos, escola ou clube.

Percebemos que grande parte do debate e propostas para regulamentação, isto é, elaboração de leis que atendam a uma miríade de possibilidades formativas no esporte e possibilite delimitar alcances e implicações, estão representadas por um “cabo-de-guerra”. Algumas proposições apenas procuram adequar a escola, ao permitir um tempo de treino ou competição: em outro momento, as proposituras procuram regular o clube para que não interfira no tempo de escola.

Quando o debate parte orientado por um dos conjuntos sem considerar a intersecção, desconsiderando que o jovem desempenha os dois papéis, entramos em uma disputa por legitimação de uma formação sobre a outra. Um cabo-de-guerra para reconhecer quem tem direito, isto é, qual a melhor opção para o presente e futuro do jovem.

No círculo educacional, o debate passa pela maior ou menor flexibilidade para o estudante que desenvolve atividades de formação no contra-turno escolar. A escola é reconhecida como um direito e é obrigatória, garantida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e Estatuto da Juventude.

Se no círculo educacional a posição mostra-se consolidada, o círculo esportivo apresenta nuances que se confundem com a garantia do direito ao esporte e lazer. O esporte como orientação pedagógica, lúdica e saúde, está associado a esse direito, a partir dele podemos identificar o estudante-esportista. Entretanto, o esporte de alto rendimento está ancorado em um terceiro círculo, o trabalho. Nesse caso ao estudante-atleta se exige um processo de formação metódico e racionalizado, direcionado para o resultado, fato que demanda caracterizar com objetivo de avançar e qualificar a discussão.



Metinho Silu, jogador da base do Fluminense. Foto: Lucas Figueiredo/CBF.

Pensar a dupla carreira sem encarar o acréscimo desse terceiro círculo impede o avanço para a elaboração de uma legislação coerente e que atenda à intersecção e não apenas dos conjuntos. Só assim evitaremos cair no abismo da discussão entre quem merece mais dedicação do jovem, a escola ou o clube. Enquanto a formação esportiva com foco no alto rendimento não reconhecer que sua atividade formativa está associada ao trabalho e que ela deve estar regulamentada para proteger inúmeros jovens que sonham com o estrelato e uma possível mobilidade social, continuaremos escutando relatos de exploração e romantização da precarização, como do atleta Darlan Romani.

O desafio de todos que estão dispostos a pensar a dupla carreira está orientado na concomitância, mas não pode estar restrita a ela, precisamos avançar e pensar na intersecção. É necessário aumentar a zona de intersecção, nela o ser e o estar jovem devem pautar as formulações. A dupla carreira e sua efetivação precisa ampliar as congruências e não promover ainda mais separação. Com esse objetivo, o círculo do trabalho pode regulamentar as relações de produção que estão camufladas e que precisam entrar em jogo.

Enquanto as políticas para juventude e suas discussões apenas atenderem um lado dos papéis desempenhados pelos jovens, diminuiremos a área da intersecção que aglutina uma realidade difícil de ser equilibrada. Portanto, falar de dupla carreira não deve estar restrito aos resultados acadêmicos e resultados esportivos.

A formação esportiva metódica voltada para o alto rendimento, ao ser encarada como trabalho, pode evitar que a precarização observada nas situações de vulnerabilidade ou no romantismo da superação pessoal repitam um passado que é obsceno. A intersecção dos conjuntos escola e clube formador precisa aceitar que o conjunto trabalho faz parte dessa relação, só assim reconheceremos a realidade do jovem no desempenho de seus papéis sociais, estudante-atleta/trabalhador.

Notas

[1] Jovens jogadores de futebol mantidos em cárcere privado na Baixada Fluminense relatam ‘choque’.


via Ludopédia

bottom of page